Parece que sim, mas talvez não.
Hã???
Nessa quinta feira foram submetidos dois artigos científicos para a revista Astronomy & Astrophysics em que cada um anuncia a descoberta de um novo corpo celeste do nosso Sistema Solar com características para serem até classificados como novos planetas.
Mas muita calma nessa hora!
Os dois artigos foram escritos por dois times de astrônomos que, em observações independentes, propõem terem encontrado, talvez, um novo planeta cada. A história é igual para os dois times e é assim.
As duas equipes de pesquisadores usaram o conjunto de antenas do observatório ALMA para observar duas estrelas diferentes, a famosa Alfa Centauro (aCen) e W Aquilae (W Aql). Em ambos os casos, as estrelas foram observadas mais de uma vez. Na primeira imagem estava lá a estrela e mais algum outro objeto. Na segunda imagem, as estrelas estavam lá, mas o outro objeto tinha se movido em relação às estrelas estudadas. No caso de WAql, uma terceira imagem foi obtida e nela o objeto misterioso tinha desaparecido!
Dá para explicar o que está acontecendo?
Vamos lá. O caso de W Aql é isso mesmo, os pesquisadores queriam estudar uma estrela e no campo de visão dela havia mais outra coisa. Até aí normal, mas quando ela se mexeu diante a todo o resto da imagem alguns meses mais tarde a coisa ficou interessante. Não pode se tratar de uma companheira de W Aql, senão ela já seria conhecida há muito tempo, então deve ser alguma coisa entre W Aql e a Terra. Com a diferença de posição entre as duas imagens e o brilho do objeto, dá para chutar um tamanho e uma distância para ele. O problema é que o tamanho está relacionado com a distância: se estiver perto ele tem que ser pequeno. Se estiver longe, ele pode ser grande.
De acordo com as estimativas do time liderado por Wouter Vlemmings da Universidade de Tecnologia Chalmers, na Suécia, o objeto estaria entre 1,8 e 3,6 bilhões de km do Sol (entre as órbitas de Saturno e Urano) e teria entre 220 e 880 km de diâmetro. Entre as órbitas de Júpiter e Netuno existe uma classe de asteroides chamada Centauro, com exemplares tão grandes quanto a estimativa do time de Vlemmings. Mas também poderia ser um planeta anão ou um objeto do cinturão de Kuyper mergulhando no Sistema Solar. Todavia, se o objeto estiver a 600 bilhões de km, ele teria o tamanho de uma super Terra, um planeta maior que a Terra, mas menor que Urano. Só que a essa distância, esse planeta não poderia estar ligado gravitacionalmente ao Sol e seria um planeta errante, desgarrado no espaço. De qualquer maneira, o time de Vlemmings já batizou esse objeto de Gna.
O caso de aCen é mais instigante. Você leu faz algum tempo que havia sido anunciada a descoberta de um planeta do tipo rochoso no sistema triplo de alfa Centauro, mas você leu aqui que tudo indica se tratar de um falso positivo. Não obstante, por se tratar das estrelas mais próximas do nosso Sistema Solar, tem muita gente procurando esse planeta com todas as forças.
Usar o ALMA é uma estratégia interessante, pois ele "enxerga" em comprimentos de onda maiores que a luz, no caso, as microondas. Nesse regime, as estrelas brilham pouco e os planetas brilham muito. É uma questão de contraste, no visível, onde a estrela brilha muito e o planeta brilha pouco, a primeira vai ofuscar o segundo. Já nas microondas esse problema é bem menor, facilitando as observações.
A equipe liderada por R. Liseau da mesma Universidade Tecnológica e que tem Vlemmings como co-autor diz ter econtrado um objeto na direção de aCen. Nesse sistema triplo, duas estrelas ficam próximas uma da outra de modo que estão sempre juntas nas imagens. Nas imagens de Liseau, um terceiro objeto aparece de bicão e meses depois se move junto com as duas estrelas. Então surgiram 4 hipóteses.
Crédito: R. Liseau et al.
O bicão seria mais uma estrela do sistema de aCen, de modo que seria um sistema quádruplo. Mas não pode. De acordo com a distância e com o seu brilho medido pelo ALMA, essa estrela teria de ser tão brilhante que poderia ser vista a olho nu, caso não estivesse tão próxima das outras duas, mas qualquer telescópio meia-boca poderia tê-la descoberto há muito tempo.
As outras hipóteses propõem novos membros para o nosso Sistema Solar. Na primeira delas, com a distância maior que 15 bilhões de km, poderia ser mais um membro do Cinturão de Kuyper se movendo em direção ao interior do sistema. Fixando a distância em 45 bilhões de km, o corpo seria uma super Terra. Na terceira, a uma distância de 3 trilhões de km, a equipe de Liseau propõe a existência de uma anã marrom super fria.
Crédito: NASA/JPL/Caltech
Anã marrom ou super Terra? Nem uma coisa, nem outra, assim diz a estatística.
Entre as 3 classes, objeto do Cinturão de Kuyper, super Terra e anã marrom super fria, a primeira é a mais abundante. Deve haver algo como milhões desses objetos além da órbita de Netuno, mergulhando no nosso sistema uma hora ou outra, mas a estatística de novo é severa. Objetos com os tamanhos propostos pelos pesquisadores são muito raros e sendo tão raros assim, como dois deles foram descobertos tão facilmente?
As imagens usadas pelos pesquisadores têm uma campo muito restrito, ou seja, elas mostram uma parte muito pequena do céu. É como tentar encontrar um molho de chaves em um estádio de futebol olhando através de um canudinho de refrigerante. Os dois times são tão sortudos assim? O número de objetos do Cinturão de Kuyper, ou de super Terras, é tão maior do que se pensava antes? Ou os dois times não acharam nada de real?
Sim, isso pode ter acontecido. Os pesquisadores podem ter cometido algum equívoco no tratamento dos dados que gerou duas falsas detecções. Os autores de ambos os trabalhos afirmam ter examinado os dados e os procedimentos de redução e garantem que a detecção é real. Mas um estudo feito com o satélite WISE, que observou no infravermelho, mostrou que não há nenhum planeta do tamanho de Júpiter a uma distância de 3 trilhões de km, assim como não há nenhum planeta com o tamanho de Saturno em um limite de 1,5 trilhões de km. Todavia uma super Terra poderia existir nesses limites e ter passado batido pelo WISE.
Bom, tudo isso é muito recente, os artigos vieram à público ontem (10/12) e nem sequer foram aceitos, isto é, ainda vão passar pelo processo de revisão por especialistas. Nesse processo as falhas do trabalho serão apontadas e só então teremos o veredito final. O que eu posso dizer é que o pessoal que trabalha nessa área está bastante cético. Mike Brown, o descobridor de Sedna, Quaoar e Éris, entre outros membros do Cinturão de Kuiper, não acredita que possa haver mais um planeta no Sistema Solar.
O jeito é aguardar!